terça-feira, 27 de dezembro de 2011

MEMÓRIA


Séculos atrás, a capacidade de memorizar quantidades prodigiosas de informação era considerada uma arte tocada pela magia. Os antigos gregos e romanos acreditavam que o apelo ao conhecimento do passado era um meio de transcender o ambiente imediato da pessoa, de atingir uma consciência superior, uma realidade mais intensa. A memorização de grandes obras escritas era vista como a chave da sabedoria, bem como do conhecimento, e como uma fonte renovável de inspiração criativa. Com efeito, os gregos fizeram da deusa da memória, MNEMOSINE, a mãe das nove Musas.

Os poderes mágicos da memória ainda hoje se esquivam da maior parte das pessoas, inclusive de pesquisadores que tentam encontrar e mapear a fonte da memória humana e entender suas capacidades. Um dos primeiros cientistas a embarcar nessa busca foi o neuropsicólogo americano Karl Lashley. A partir dos anos 20, Lashley conduziu uma série de experiências com ratos, procurando determinar o ponto exato de armazenamento da memória, no elaborado entrelaçamento dos neurônios. Em 1950, publicou um artigo no qual concluía, que a memória e aprendizagem não estão concentradas em uma só área do cérebro, mas espalhadas por todo ele.



                             

( Dois italianos jogam xadrez nesta xilogravura de 1493. Considerado como originário da Índia do século VII, por muito tempo o xadrez foi exaltado como um exercício para aguçar a mente )

Ao mesmo tempo que Lashley admitia que a memória não podia ser localizada no cérebro, outro pesquisador, o neurocirurgião canadense Wilder Penfield, testemunhou algumas ocorrências estranhas que pareciam indicar que podia. Para encontrar as pequenas áreas cicatrizadas do cérebro em que têm origem os ataques epilépticos, Penfield concebera um procedimento pelo qual podia estimular, sem dor, áreas específicas da superfície do córtex com uma pequena sonda elétrica. Como os pacientes ficavam conscientes durante todo o procedimento, podiam descrever as sensações que experimentavam.

De modo totalmente inesperado, Penfield descobriu que sua sonda podia estimular lembranças extremamente detalhadas, e muitas vezes de forte conteúdo emocional, quando trocava áreas do córtex temporal, a porção do córtex cerebral que está diretamente ligada ao sistema límbico. Os pacientes pareciam reviver nitidamente as visões, sons, sabores e emoções de experiências há muito esquecidas. Nossa! exclamou um menino de 12 anos de idade. Lá estão eles, o meu irmão está lá. Ele está apontando sua espingarda de chumbo pra mim. Uma jovem observou de sua experiência com a sonda: Tive a mesma lembrança muito, muito conhecida, em um escritório em algum lugar. Eu estava lá e alguém estava me chamando, um homem apoiado na escrivaninha com um lápis na mão. Outros pacientes ouviram músicas especificas, que podiam cantar nota a nota. Um homem foi transportado de volta à fazenda sul-africana em que vivera.

Com base em sua pesquisa, Penfield concluiu que o cérebro registra cada sensação, cada emoção e cada experiência da vida, mas oferece apenas um acesso limitado a esse imenso estoque de informações. Esquecer, portanto, não é a perda de lembranças, mas a incapacidade de localizá-las. Concluiu também que o córtex temporal continha pelo menos alguns dos neurônios ligados à memória. Os cientistas hoje acreditam, porém, que embora Penfield estivesse localizando sua sonda na superfície do córtex cerebral, na verdade era o sistema límbico subjacente que ele estava estimulando. Pesquisas mais recentes mostraram que várias estruturas dessa antiga parte do cérebro têm um papel crucial na formação da memória.


Uma dessas estruturas é o Tálamo, uma área do tamanho de uma ervilha no centro do cérebro que serve como uma estação de retransmissão para quase toda a informação que chega a ele.

Os danos às células nervosas do Tálamo foram diretamente ligados à SÍNDROME DE KORSAKOFF, uma disfunção cerebral que recebeu o nome do médico russo que a descreveu pela primeira vez em 1887. As pessoas com essas disfunções, que costuma ser causada pelo alcoolismo crônico, não têm memórias recentes, e experimentam às vezes a chamada amnésia retrógrada, na qual longos trechos de memória podem ser obliterados. Tipicamente, as vítimas da síndrome de Korsakoff conseguem lembrar-se de ocorrências do passado distante, mas as memórias novas não conseguem fixar-se, nem qualquer nova informação pode ser aprendida.

Em O Homem que confundiu sua Mulher com um Chapéu, Oliver Sacks escreveu acerca de um homem de 45 anos de idade que conheceu em 1975, Jimmie, um afável ex-oficial da Marinha do estado de Connecticut, perdeu trinta anos de memórias devido à síndrome de Korsakoff. Para Jimmie era sempre 1945, e ele tinha 19 anos. Qualquer coisa nova que lhe fosse dita ou mostrada era esquecida em poucos segundos.

Em outro caso trágico, um homem conhecido na literatura médica apenas pelas iniciais H.M. levou os cientistas a implicarem outra estrutura do sistema límbico o " HIPOCAMPO " na formação da memória. Uma das partes mais antigas do cérebro, o hipocampo é um pedaço curvo de matéria cinzenta com cerca de 3 centímetros de comprimento, situado dentro do córtex temporal. Em 1953, H.M. foi submetido a uma forma de cirurgia cerebral concebida especialmente para ele, a fim de aliviar os graves ataques epilépticos que tinha quase todos os dias e estavam ameaçando sua vida. Os cirurgiões pretendiam remover apenas os lobos temporais de H.M., mas também tiraram inadvertidamente parte de seu hipocampo.

Logo depois da operação, os cirurgiões perceberam que alguma coisa estava terrivelmente errada. Embora os ataques houvessem parado, H.M. era incapaz de lembrar-se dos nomes e até dos rostos das enfermeiras que cuidavam dele. Se saísse de seu quarto para caminhar pelo corredor, não conseguia lembrar-se do caminho de volta. Quando lhe davam uma revista, ele lia o mesmo artigo diversas vezes, sem perceber que já o havia lido. Sua memória continuava boa para o que havia acontecido antes da operação, mas ele não conseguia aprender nada de novo. Tal como os pacientes com a síndrome de Korsakoff, H.M. perdera a capacidade de lembrar-se. Era um homem preso para sempre ao passado longínquo e ao presente instantâneo.

Enquanto H.M. tinha consciência, mas não tinha memória, as pessoas com SÍNDROME DE IDIOT SAVANT têm a memória mas não a consciência.

Os idiots savants são conhecidos pela excepcional memória eidética em sua ilha específica de talento, a capacidade de descrever as condições climáticas de qualquer dia de suas vidas passadas, por exemplo. A memória dos idiots savants é automática e habitual; ela não demostra absolutamente nenhum sinal de auto-reflexão, nenhuma percepção cognitiva e pouco envolvimento emocional.

Apesar disto, os idiots savants demonstram ter dons extraordinários. Alonzo Clemens, que sofreu danos no cérebro devido a uma queda aos 3 anos, tem um QI estimado em 40. Mal consegue contar até dez e seu vocabulário é limitado a poucas centenas de palavras, semelhante ao de uma criança de 2 anos. No entanto, quando lhe dão um pouco de argila, ele é capaz de moldar qualquer animal magnificamente detalhado, com cada músculo e tendão representado minuciosamente. Suas obras são colecionadas por conhecedores de arte de todo o mundo.

Em outro caso, um menino autista de 16 anos chamado Steven Wilcher maravilhou toda sua Inglaterra nativa com a capacidade de desenhar prédios, pontes, carros qualquer coisa só de memória, com perspectiva perfeitas e detalhes exatos, em poucos minutos. Oliver Sacks, que observou o menino, especula que o autismo de Wilcher faz com que ele seja capaz de armazenar milhares de padrões complexos na cabeça, simultaneamente.

Outro idiot savants, Leslie Lemke, tem um problema triplo: cegueira, retardamento mental e paralisia cerebral. No entanto, ele arrebatou platéias de todo o mundo com sua notável capacidade de tocar piano. É capaz de tocar uma obra musical impecavelmente após ouvi-lá uma única vez, seja uma sonata de Ludwig van Beethoven, ou um rock. Após ouvir a gravação em fita de 45 minutos de uma ópera uma só vez, ele é capaz de transpor a música para o piano e, enquanto toca, cantar o libreto da ópera, na língua estrangeira em que a ouviu.

Os gênios artísticos e musicais são comuns entre os idiots savants. Muitos deles também demostraram indícios de percepção extra-sensorial. Em 1978, um psicólogo de San Diego chamado Bernard Rimland publicou um estudo feito com os históricos de aproximadamente 5.400 crianças com síndrome de idiot savants de todo mundo. Determinou que 561 delas, pouco mais de 10%, mostravam sinais de uma percepção incomum. Em geral, os pais dessas crianças eram os primeiros a notar sua inexplicavel clarividência. Ele parece ser bastante paranormal, relatou o pai de um menino idiot savant que costumava voltar de ônibus da escola. Decidimos de improviso ir buscar Georg na escola. Ele dizia ao professor que estávamos vindo e abria a porta para nós quando chegávamos. Então, ele tem muitas capacidades especiais, mas não é capaz de escrever seu nome ou uma sentença.

Os pais de outro idiot savant relataram que a criança tinha uma extraordinária capacidade de ouvir conversas que estava além do alcance da audição e de captar pensamentos que não são falados.

Ainda não está claro de que maneira, exatamente, o cérebro do idiot savant difere do cérebro normal, nem o que permite que faça o que faz. Mas o psiquiatra Darold Treffert, um dos principais especialistas na síndrome do idiot savant, acha que ela é causada por danos ao hemisfério esquerdo do cérebro, em geral ocorridos antes do nascimento. Para compensar tais danos, o hemisfério direito fica superdesenvolvido, crescendo mais do que o normal e assumindo o domínio sobre todo o cérebro. É possível que esse desequilíbrio, em casos extremos, resulte em um idiot savant, um indivíduo que tem a capacidade de seu cérebro direito altamente desenvolvida, mas cujo cérebro esquerdo tem capacidades mínimas.

Treffert descreve que a importância da síndrome de idiot savant está em nossa incapacidade de explicá-la, é um claro lembrete de nossa ignorância sobre nós mesmos, em especial sobre como funciona nosso cérebro. Nenhum modelo das funções cerebrais, particularmente o da memória, estará completo enquanto não pudermos incluir nele uma explicação para essa notável condição.

Muitos outros cientistas concordam com ele. Eles acreditam que é através do estudo de disfunções raras e enigmáticas como essa que o misterioso relacionamento entre a massa de um quilo e meio de matéria cinzenta e a mente aparantemente amorfa será algum dia esclarecido.!

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